12 abril 2008

Anos Rebeldes

Uma aula de vergonha na cara
Por mais que a teledrmaturgia nacional não agrade a todos, vez ou outra surgem obras que merecem, no mínimo, um pouco de atenção. Algumas, merecem bem mais que isso. É o caso da minissérie Anos Rebeldes, de Gilberto Braga.

1992
No ano em que Anos Rebeldes foi ao ar, eu acompanhei pela televisão, mas não tinha os olhos críticos e conscientes de hoje. Compreendi a história, entedi o enredo, mas não era consciente da importância da luta daqueles estudantes em plena ditadura militar.

Anos mais tarde, encontrei a minissérie em uma locadora, resumida a quatro ou cinco horas de duração. Mesmo assim pude rever e ficar impressionado com a força daqueles jovens estudantes. Era impressionante como eles acreditavam em seus ideais e, mais ainda, a coragem com que enfrentavam polícia, família, o mundo tudo para poder lutar por mudanças.

Passei semanas impressionado com aquela história. Resgatei a paixão pelo período histórico retratado na série. E mais impressionado ainda fiquei quando comprei num sebo o livro 1968 de Zuenir Ventura...

2008
Adulto, voltei a assistir a minissérie. Desta vez, quase na íntegra. Foi compulsivo: mais de 11 horas pregado na frente da televisão, acompanhando e compreendendo mais ainda aquilo que estava vendo.

Nunca fui alienado, mas confesso que não participei mais intensamente de nenhuma luta política ou ideológica mesmo nos tempos de faculdade. Isso era consciente, porque eu já não via um ideal real pelo qual se lutava. Ou quem sabe não via naqueles que se diziam "militantes" as pessoas com ideais nobres que elas realmente se diziam ser? Conheci alguns de perto, e realmente tive grandes decepções...

Hoje vivemos em um país onde a morte é banal, a violência é quase um estilo de vida, a corrupção é regra, o crime praticamente comanda tudo e a polícia é praticamente uma instituição falida.

Perco as esperanças quando me lembro que, nos anos 60, o assassinato de um estudante pela polícia foi motivo de comoção nacional, com direito a passeatas, missas em protesto e, consequentemente, muita retaliação dos militares. Hoje em dia, em todo o país, a cada minuto uma pessoa é assassinada: por bandidos e por policiais. E todos nós já nos acostumamos com isso.

Em plena ditadura militar, jovens estudantes, que sequer tinham uma independência financeira, abdicavam de tudo em nome de um ideal: acabar com as injustiças sociais e com a violência imposta pelos militares, que haviam tomado o poder em 1964 com um golpe. Nas ruas, nas esolas, nas universidades, o clima era de apreensão constante, pois a qualquer hora poderia haver prisões de militantes, que seriam torturados, violentados e até mortos para que entregassem nomes de companheiros. Hoje em dia, o clima nas escolas, nas ruas, em todo lugar também é de apreensão, só que por medo da violência dos bandidos: sejam eles criminosos ou não...

Vergonha
Sinto tanta vergonha quando comparo a minha geração e as posteriores com a geração dos meus pais... mais ainda quando percebo que ninguém dá o mínimo valor aos heróis que eles foram. Hoje em dia o que é velho é ultrapassado, não interessa, é chato...

Como podemos ser tão cretinos? Como podemos nos sentar de braços cruzados na frente da TV toda noite e ver a violência tomar conta de tudo? Como podemos fazer isso e simplesmente esquecer de tudo quando começa a novela da oito?

Naquele tempo uma música poderia ser crime. Um livro poderia ser subversivo e dar cadeia! Se reunir com os amigos para um bate-papo era dar motivos para ser preso! Hoje, depois de termos experimentado a liberdade que aqueles jovens "rebeldes" tanto lutaram para conseguir, nós simplesmente não fazemos nada! NADA! Enquanto o crime corre solto no país!

Quem sabe algo mudasse se nossos jovens pudessem ver obras como Anos Rebeldes, já que seria quase impossível fazê-los ler um livro como "1968"? Quem sabe eles não percebessem que heróis de verdade existiram sim, e que merecem todo o nosso respeito. Quem sabe aquele velhinho que fica na fila do banco para pegar uma miséria de aposentadoria e ainda correr o risco de ser assaltado na saída, não seja um desses grandes heróis de verdade?

Quem puder, dispa-se de pré-conceitos e assista Anos Rebeldes. Eu garanto que vai ser, no mínimo, uma bela lição de como se ter vergonha na cara!

Ouça algumas músicas da minissérie:
 Alegria, Alegria - Caetano Veloso

 Frankie Vallie - Can't Take My Eyes Of You

 Chris Montez - Call Me

 Caetano Veloso - Soy Loco Por Ti America

 Gal Costa - Baby

Um comentário:

Anônimo disse...

Anselmo, parabéns pelo belíssimo texto. Li com muita atenção e fiquei abismada com as coincidências, você descreve exatamente o que penso. Além disso, também assisti o seriado quando foi lançado em DVD e, como você, só então me dei conta de que na época da exibição eu não tinha percebido a real importância da obra. Não resisti, tive de comprá-lo e sempre tento emprestá-lo a alguém, numa tentativa quase ingênua de fazer com que esta geração se interesse um pouquinho por nossa história.

Já perdi a conta de quantas vezes ouvi dizerem "Meire, você nasceu na época errada". Na verdade, nasci na época certa, 1967, quando os jovens que se indignavam, buscavam, acreditavam e transformavam a desesperança em combustível para continuar acreditando. Lutavam por seus ideais, opinavam, participavam, torciam, e, ao mesmo tempo, sabiam se divertir, discutiam música, cinema, faziam amor e amavam o país. Se bebês participassem, creio que eu também estaria lá, de chupeta e mamadeira em punho.

Assim como você, também me sinto envergonhada quando encontro pessoas que lá estiveram para que hoje pudéssemos desfrutar os resultados. E como agradecimento transformamos este, que um dia foi um país de heróis, numa terra de medíocres. É claro que hoje também há muitos heróis, cada qual a sua maneira, com sua história e sua luta, mas não há como negar, o número de brasileiros medíocres é infinito.

O Brasil está na situação em que está por culpa da educação (ou falta de), graças ao desfavor que os militares prestaram ao país acabando com o ensino. No período da ditadura militar, matérias como filosofia, por exemplo, foram eliminadas do currículo escolar de caso pensado. Mentes pensantes não eram convenientes. Qual a saída? Simples, bastou valorizar o aprendizado profissionalizante e incutir na mente do povo que é preciso pensar na carreira, e claro, dessa forma também se abasteceria o país com mão-de-obra para manter a máquina. Resultado, surgiu uma geração que não exercita o pensamento, que não aprendeu a questionar, e que só se preocupa com o futuro profissional, ou seja, com o próprio umbigo.

Anselmo, o seu texto veio a calhar. Reproduzo a seguir a opinião de um adolescente que defende veementemente o retorno da ditadura militar para, segundo ele, "impor ordem ao país":


“(...) perguntem a seus pais, avós e tios, que viveram a época, como era naquele tempo. No Brasil existia uma coisinha fundamental que hoje está praticamente extinta, ORDEM.”

“(...) detesto caras que mostram com orgulho sua insígnia de ter apanhado no Regime Militar. Quem vê pensa. Mais da metade dos jovens revolucionários não tinham nada mais do que vento na cabeça. Era enfiar uns livros na bolsa a tiracolo e sair por aí. Não tão diferente dos atuais pseudo, que hoje gozam de liberdade.”

“(...) uma sociedade é como uma floresta, é destruída por um incêndio, mas renasce mais forte. Os abusos que alguns poucos (comparado aos 90 milhões de brasileiros da época) sofreram é a fogueira. Podemos não aceitar, mas a repressão foi um dos motivos da melhora de vida da população.”

“(...) censura é nada mais que isto, impedir que algo que prejudique o bem-comum venha a público.”


Nossa, sinto arrepios ao reproduzir tais absurdos, principalmente porque o autor nem se dá ao trabalho de ao menos tentar justificar sua linha de pensamento. Resultado, tão logo seus argumentos são quebrados, parte para ofensas e insulta a inteligência de qualquer um que ouse indagá-lo.

É, realmente os militares eram mesmo eficientes; não mediam esforços para "manter a ordem" e calavam qualquer um que ousasse infringi-la. Torturavam, estupravam "suicidavam" e faziam desaparecer professores, estudantes, artistas, jornalistas, deputados, advogados. Arrancavam unhas, espancavam mulheres grávidas, estupravam professoras, violentavam rapazes com cacetetes, davam choques no pênis de adolescentes, cortavam os bicos dos seios de garotas que mal haviam largado as bonecas ... tudo em nome da "ordem".

E quanto aos pais, avós e tios citados pelo rapaz? Ele mesmo responde (sem se dar conta) ao "explicar" o significado da palavra censura: “(...) censura é nada mais que isto, impedir que algo que prejudique o bem-comum venha a público”. Pois é, resta saber o que o mocinho esperto entende por bem-comum.

Muitos jovens não sabem o que dizem e são do contra apenas para ter um diferencial. É uma das faces do tal modismo que citei, está na moda ser diferente e para isso lançam mão de idéias estapafúrdias sem qualquer embasamento. E o pior é que outros, igualmente ou ainda mais desinformados, aplaudem e dizem "esse é o cara".

Vivemos a era da vulgarização, omissão, comodismo, egocentrismo. O que leva o jovem de hoje a lutar? Por quais causas daria sua própria vida? A maioria dos jovens do século 21 está imbecilizada, acha que senso crítico é coisa de intelectual mal-humorado dos anos 70. Hoje, o barato é ficar antenado nos modismos, nas gírias e nas trilhas sonoras que me recuso a pronunciar. E quanto à alienação cinematográfica? Prestigiam somente filmes estereotipados, são preconceituosos e desinformados quanto ao cinema nacional e jamais se interessam por qualquer produção que fuja à regra – nacional ou não.

E os demais brasileiros? Há muitos instruídos, com carreiras vitoriosas e currículos invejáveis. Entretanto, também são totalmente alienados e só se preocupam com o que lhes convém - muda a cor da grama pra ver no que dá. Este é o triste retrato de desintegração dos laços humanos que resulta na tamanha crise moral e intelectual da nossa sociedade. Obviamente, a conduta ética não é herdada, é construída a partir das interações humanas. O homem aprende por meio dos costumes do seu grupo, o que explica a crise ética do brasileiro, que nasce, cresce e se adapta a valores distorcidos. Sinceramente, vendo tudo isso só consigo sentir desânimo.